![]() Desde inícios de Junho que aguardava ansiosamente pelo dia de ontem, pois foi quando soube que a Paula Fernandes vinha a Portugal, descobri a Paula Fernandes em fins de 2010 pela mesma altura em que me foi diagnosticado um tumor neoplásico das glândulas salivares. Durante um ano e algumas semanas a Paula Fernandes foi o que tive mais perto de uma amiga, de uma companhia, acompanhou-me durante todo o processo, desde o diagnostico médico, até ecografia, TAC, biopsias, operação cirúrgica e vários meses de fisioterapia a uma paralisia facial resultante da operação. Com ela ri, chorei, dancei e cantei. Com ela desejei ter alguém a quem pudesse dedicar as suas musicas cheias de amor, carinho e sentimento. Com ela sonhei e fantasiei. Com ela recuperei da operação e dos tratamentos. Com ela reencontrei o amor da minha vida e partilhei-a sem ciúmes e quando o voltei a perder, só ela não me deixou. Desde há vários anos, no dia em que a Tristeza me bateu à porta e abri sem perguntar, que ela entrou em mim para nunca mais me largar, deixei então de me conseguir exprimir, emocionar e sobretudo comecei a ser incapaz de chorar, rir sempre me ri mesmo depois da operação e mesmo com paralisia facial sem qualquer problema, o próprio ser humano fá-lo praticamente todos os dias quase que inconscientemente, pois afinal sorrir não é mais do que uma expressão facial e por vezes não há nada mais falso que um sorriso, uma gargalhada vem e vai embora, uma lágrima brota da alma e demora. E essa incapacidade, estava a matar o pouco de bom que resta em mim, de alguém que fui outrora. Não me lembro ao certo da primeira vez que ouvi Paula Fernandes mentiria se o dissesse, sei que fiquei apaixonado só de a ouvir, era alguém que cantava o que eu sentia sem o ter a quem dizer e então chorei compulsivamente, chorei umas lágrimas gordas e salgadas que nasciam dos meus olhos macerados, percorrendo todas as imperfeições do meu rosto, morrendo na gola grossa da camisola outras, como por compaixão em meus secos lábios sedentos de beijos que saboreei com deleite. Ao invés da Tristeza a Paula Fernandes não me bateu a porta, nem precisei muito menos de a abrir, entrou de rompante sem fazer questões e preencheu as divisões do meu deserto castelo com a sua voz, equilibrando assim os pratos da minha fiel balança bipolar. E foi desde esse dia que lhe fiquei em divida. ![]() Quis então ser dos primeiros a comprar o bilhete, queria garantir a minha presença o mais cedo possível, comprei o livro Sonetos da Florbela Espanca achei que ela iria gostar de conhecer a alma da mulher portuguesa, assim como planeei comprar-lhe um ramo de flores, adoro oferecer flores porque para mim flores é a mais bela prenda que se pode dar a uma mulher e por tudo o que ela me deu merecia flores, merecia um enorme ramo de flores. Foi então enquanto pesquisava algo sobre a Paula Fernandes que li num blog ranhoso que a Paula Fernandes não ligava aos fans, que não os recebia, que não queria que lhe tocassem ou tirassem fotografias com ela. Li e não acreditei, como é que uma menina que cantava tão belas músicas de amor, poderia afinal ser tão fria para quem gostava dela? Amor é dar e receber, partilhar pedras preciosas. Não acreditei mas de certa forma o que li fez-me recear, não queria ir de tão longe cheio de afecto e não ser recebido ou pior de fazer uma figura ridícula para quem presenciasse, estive até a última da hora a pensar se o faria ou não, já no Porto nos Jardins do Palácio de Cristal a mesma dúvida ainda me assombrava e pairava sobre mim, já não lhe podia oferecer o livro pois cobardemente o tinha deixado em casa, mas ainda ia a tempo de lhe comprar um lindo ramo de flores, era o que iria fazer, sem mais demora e decidido meto-me de pé e foi aquando metia a máquina fotográfica ao pescoço que entorno sobre a minha camisola um frasco inteiro de Compal Fresh Laranja que tinha aberto segundos antes. “Estou mesmo bonito pra festa!” Exclamei. Tinha acabado de perder a coragem até para estar na fila de espera, quanto mais de comprar o tal desejado ramo de flores para lhe tentar oferecer, pois se a Paula Fernandes não recebia fans comuns, então fans com nódoas de sumo de alto a baixo e a tresandar a laranja pior. Fui a casa de banho e tirei o que pude, com a ajuda de um rapaz que ao ver tal aparato e que ainda ia deixando cair a máquina fotográfica ao chão, tentou de certa forma consolar-me dizendo um "Estás com azar!" e abrindo-me de seguida o dispositivo de onde se tira liquido para lavar as mãos que estava avariado, agradeci e no fim da lida domestica lá me dirigi para a fila de espera manchado, molhado e envergonhado, onde estive desde as 17:00 horas até as 21:00 a rezar para que ninguém notasse sequer em mim ou me perguntasse algo, entretanto escureceu, mas o cheiro a laranja lá continuou. ![]() Às 21:15 já estava finalmente dentro do pavilhão, bem lá na frente encostado ao gradeamento, mas ainda teria que esperar mais uma interminável hora para começar o espectáculo, entretanto o pavilhão atrás de mim, enchia e transbordava. Foi quando alguém me tocou nas costas, olhei para trás e era uma menina, com os seus 12 anos perguntou se podia ficar à minha frente, sorri e disse que sim, mas só porque tinha a altura perfeita para não me atrapalhar a visão e ao mesmo tempo cobrir a vistosa nódoa que com as luzes do palco se tinha tornado florescente e era alvo de destaque: "Anda cá... acabaste de ganhar um amigo que cheira a laranja!" Pensei eu. ![]() 22:30 entra em palco uma Paula Fernandes incrivelmente sensual, arrebatadora num misto de luzes, fumo e som com os seus lindos e compridos cabelos ao vento que abanava freneticamente ao som dos acordes do seu violão. Congelei! Como cantaria o Gabriel o Pensador "Ela tinha um remelexo de fazer cair o queixo de qualquer cristão!" Não estava à espera, na minha mente eu tinha construído uma Paula Fernandes com traços de menina, dócil e meiga, não estava nada na expectativa daquele assombro de mulher, agora sabia porque é que a porta do meu castelo sem torre de menagem tinha sido arrombada, a Paula Fernandes era um furação de emoções que não pedia licença para entrar e que levava tudo à frente na passagem. Como adoro estes breves 9 segundos. Passado algumas músicas foi-lhe atribuído dois prémios surpresa um disco de Ouro pelo CD Meus Encantos e outro de Dupla Platina pelo Paula Fernandes ao Vivo que recebeu emocionada e creio que foi a primeira vez que a Paula Fernandes olhou com olhos de ver para o pavilhão a transbordar. E todos sentimos que estava ali um bocadinho de cada nós. ![]() Passado aquele êxtase com que se vive as primeiras musicas mais mexidas que iniciam qualquer espectáculo, seguiu-se então as mais calmas e as mais aguardadas, Sensações. E foi então que a Paula Fernandes ao ver e ouvir aquele imponente pavilhão com uma fantástica moldura humana a cantar as suas musicas, do outro lado do oceano, num português tão seu, apenas com um sotaque diferente mas com o mesmo amor e carinho que a Paula Fernandes descobriu que não vinha preparada, nem a contar com tanto afecto do povo português por ela, então a sua arrebatadora voz se transformou em soluços, os soluços em convulsões e as convulsões num choro incontrolável que arrepiou e comoveu todos os presentes, que gritaram, vibraram e alguns certamente também choraram. E cada um a seu modo tentou lhe transmitir ainda mais carinho e afeição. Aquela fantástica mulher de imagem inabalável com que entrou de rompante por nossos corações, uma Napoleão de saias conquistadora de multidões, sem olhar a fronteiras ou castelos deixou-se levar pela emoção e chorou da mesma forma descontrolada com que eu chorei quando a ouvi pela primeira vez. "Eu sabia que a Paula Fernandes era a menina romântica das minhas canções de amor!" Exclamei enternecido. ![]() Então a menina deixou a mulher, desceu do palco e abraçou, deu beijos e autógrafos, tocou na minha mão e sorriu, a Paula Fernandes não era nada do que eu tinha lido e eu sabia, arrependi-me naquele exacto momento em que lhe dei a mão, de ter deixado o livro que lhe comprara em casa e de não ter ali o ramo que tanto imaginara lhe oferecer e de como seria, hoje tenho a certeza que ela iria adorar e se eu tivesse agido mais e pensado menos, teria oferecido um lindo ramo de flores a uma deslumbrante Paula Fernandes de olhos rasos de água e o que poderia pedir mais? Era uma oportunidade única, foi um momento incomensuravelmente maior do que todos os cenários que tinha criado na minha fértil cabecinha dos loucos devaneios. E quem sabe se ela não poderia estar agora em casa do outro lado do atlântico a ler o livro que tão ternuramente escolhi e comprei para o deixar em meu frágil castelo por ela arrombado? Sei que vou-me arrepender por toda a minha vida. Porém continuo em divida para com ela e como bom pagante um dia caso ainda respire, sinta, vibre e chore a irei saldar. Obrigado Paula por me encheres de Sensações, as tuas músicas dão um especial colorido à minha vida de preto e branco, são pinceladas de magia que de tantas vezes repetidas ficaram para sempre gravadas dentro do meu ser. Muito mais poderia dizer, mas resta-me agradecer, não só por este dia maravilhoso e tão diferente de todos os meus dias a quais sobrevivo e dos quais já fazes parte de mim, és uma Aquarela que colore vidas. "Numa folha qualquer Eu desenho um sol amarelo E com cinco ou seis retas É fácil fazer um castelo..." Toquinho - Aquarela Nunca abras a porta à Tristeza pois quando em nós entra, se aloja, não paga renda nem sai a bem, deve ser por isso que se diz que a tristeza não paga dividas. Tudo de bom e vai aonde te leva o coração! Até 2013. * Todas as fotografias e vídeos são da minha autoria, mas caso alguém queira guardar ou usar esta à vontade. Comentários |
Arquivos
Maio 2018
|